O transporte marítimo brasileiro, responsável por mais de 95% das cargas exportadas e importadas pelo país, vem conseguindo enfrentar os transtornos logísticos ocasionados pelas paralisações no setor produtivo em razão da pandemia da covid-19.
Levantamento da Confederação Nacional da Indústria (CNI) mostra que os serviços de linhas regulares de navegação, com itinerários pré-definidos para o transporte de contêineres, apresentaram níveis estáveis de utilização das embarcações e da quantidade de navios operando nos portos, se comparados ao mesmo período de 2019.
A CNI alerta, no entanto, que é imprescindível manter operacionalidade dos portos para que o país enfrente a pandemia sem grandes impactos nas operações de comércio exterior. A avaliação é de que os reais efeitos da crise gerada pelo coronavírus deverão ser notados mais à frente se as devidas condições operacionais não forem priorizadas pelas autoridades.
De acordo com os dados consolidados para março, a utilização de embarcações foi de 85% nas exportações e de 67% nas importações, contra 82% e 68%, respectivamente, no mesmo período de 2019. Neste mês, a capacidade de movimentação disponível semanalmente nas rotas internacionais foi 4% superior à verificada em março do ano anterior, apesar da queda na quantidade de navios em operação – 134 contra 161 no mesmo mês de 2019. Na comparação trimestral, foram 443 embarcações operando em 2020, contra 440 nos três primeiros meses do ano passado.
Embora a Covid-19 ainda não tenha causado grandes transtornos ao transporte marítimo de contêineres, o setor produtivo nacional têm sentido dificuldades em outras etapas da cadeia de transporte. Pesquisa divulgada nesta segunda-feira (30) pela CNI aponta que 38% das empresas industriais consultadas já enfrentam muitas dificuldades decorrentes da pandemia para a obtenção de insumos e matérias-primas. Outras 45% dizem enfrentar pouca dificuldade; e 17% afirmam não ter problemas.
Com a escalada da doença nas Américas e com o aprofundamento da pandemia na Europa, a preocupação para o comércio mundial é que os portos mantenham suas condições operacionais e que as cargas consigam ser produzidas, transportadas, embarcadas e entregues em seus destinos. Com exceção do porto de Gênova, na Itália, que se encontra no epicentro da crise no continente europeu, o setor portuário mundial vem conseguindo manter as operações e atender às demandas de embarque e desembarque. No entanto, a forma que a pandemia será conduzida daqui para frente é essencial para que não se repita em outras localidades o observado na China no início do ano.
O nível de interrupção dos serviços nos portos chineses, que, no primeiro bimestre do ano, não contava com caminhoneiros, estivadores e diversos outros trabalhadores essenciais ao funcionamento dessas instalações, levou à queda abrupta na movimentação de contêineres. Em meados de fevereiro, o país asiático registrou nível de 18% nos cancelamentos de escalas programadas de navios. A partir de março, as atividades produtivas e portuárias começaram a ser normalizadas, mas, segundo dados da UNCTAD, os efeitos da paralisia foram suficientes para reduzir em 2% os fluxos de bens intermediários chineses, país que responde por 20% da produção global desses produtos. Apenas para o Brasil, tal ruptura representou perda de US$ 84 milhões.
No Brasil, mesmo com as medidas de prevenção, os principais portos e terminais continuam operando em condições próximas à normalidade, o que permitiu um aumento no volume de contêineres movimentados no comércio exterior. De acordo com dados da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) de janeiro de 2020, os contêineres movimentados na navegação de longo curso, responsável pelos fluxos de exportação e importação do país, alcançaram 6,6 milhões de toneladas, valor 3% superior ao mesmo mês do ano anterior.
Ressalta-se que, no total, o comércio exterior transacionado na modalidade marítima apresentou uma redução de 20% na comparação com janeiro de 2019. Tal resultado é um reflexo da queda na movimentação de minério ao longo do ano passado após o rompimento da barragem de Brumadinho e da redução na quantidade de graneis agrícolas exportados no início do ano corrente, reflexo da interrupção pontual nas importações chinesas por esses produtos.
A virada de maré no contexto da navegação mundial
O ano de 2020 se iniciou em um contexto que indicava uma pressão nos custos do transporte marítimo. As empresas de navegação previam aumentos nos valores de frete em função das exigências da Organização Marítima Internacional (IMO) para a redução nas emissões de enxofre e pela perspectiva de disparada no preço do petróleo em função das tensões no Oriente Médio. No entanto, a proliferação do coronavírus alterou esse cenário.
Na comparação entre março e janeiro de 2020, o valor médio dos fretes para a exportação de contêineres caiu de US$ 1.400 para US$ 1.264. Apenas a rota para a África não apresentou redução no valor de referência do frete no período, enquanto as rotas conectadas à Ásia e ao Mediterrâneo e Oriente Médio, regiões que até o início de março concentravam a maior parcela de contaminados pela Covid-19, apresentaram as maiores quedas.
No entanto, tais reduções não ocorreram significativamente em função de quedas na demanda por serviços de transporte. Usualmente, os primeiros meses do ano observam uma tendência de contração nos valores do frete, apesar de os valores de março de 2020 estarem, em geral, abaixo dos verificados em março de 2019. Além dessa sazonalidade, passaram a operar em determinas rotas navios maiores, o que produziu ganhos de escala e reduções no preço unitário do transporte dos contêineres. Logo, apesar do coronavírus ter freado as pressões de elevação no custo de transporte, a pandemia não interrompeu de forma significativa ou generalizada o transporte marítimo global, ao menos até o momento.
Importante registrar também que, até o momento, as instalações portuárias do Brasil e do mundo têm conseguido desempenhar o seu papel no combate à Covid-19. A manutenção das condições operacionais nos portos, principal elo logístico do país e do comércio global, é essencial para o abastecimento de medicamentos, combustíveis, máquinas e alimentos, o que faz do transporte marítimo uma atividade essencial para o funcionamento da economia e para o bem-estar da sociedade, especialmente neste momento de crise na saúde pública. De agora em diante, é imprescindível que as autoridades adotem iniciativas que garantam tal funcionamento e ao mesmo tempo combatam o coronavírus.
(*) Com informações da CNI